Rodolfo Tokimatsu*
Contrapondo-se a Leon Trotsky, quando afirmou, ainda no
final dos anos 1930, que “diante da mediocridade da sociedade ocidental, a
melhor arma é o silêncio, portanto, não é tempo de uma nova cultura”... nós da
Quebrada, no entanto, afirmamos que sim, é tempo de uma nova cultura, e mais,
de uma cultura permanente que não morre, mas se renova e se inova e se
fortalece; é diante desse apogeu da mediocridade que as sociedade ocidental
mergulha, sobretudo, a sociedade brasileira, que não só é tempo, como é necessária
uma nova cultura, com todas as culturas unidas e integradas incluídas e
respeitadas, como única forma viável de se bater de frente a essa onda de
mediocridade que, ao que parece, toma ares de verdade absoluta para uma maioria
expressiva da sociedade. Atravessamos um período política e culturalmente
nefasto, um prenúncio de barbárie e retrocesso histórico, que é semeado pelas
redes sociais, no Brasil, desde 2013, a princípio, mascarado como um protesto
contra o aumento da tarifa do transporte público e, posteriormente, contra o
governo de tendências progressistas vigente, propagando, em contrapartida um
discurso conservador e contra as reformas sociais, reivindicando
desmantelamento de programas sociais, clamando pela volta de políticas
ultrapassadas e autoritárias, como o regime militar e propagando discursos de
ódio, a princípio, contra o pensamento da esquerda, voltado às classes menos
favorecidas, propondo o fim dos direitos trabalhistas e da aposentadoria para
os trabalhadores, o desmantelamento do serviço público, em benefício aos
interesses empresariais privados, gerando um argumento mentiroso de que o
funcionalismo público concursado e um suposto excesso de direitos da classe
trabalhadora e dos aposentados seriam a causa de uma suposta crise do país e
engrossando esse discurso com ideias e propostas racistas, homofóbicas,
machistas, misóginas, anti-intelectualista, anticultural e a todos que abrangem
as conquistas sociais, resgatando, no grosso da população todo seu ódio e
preconceito então latente, jogando a população contra seus próprios
semelhantes. Nesse “modismo” da demonização, dois elementos essenciais para a
formação da sociedade e do indivíduo e para a construção da nação, se veem mais
atacados, tanto moral, quanto economicamente- a Cultura e, em especial, a
Educação. Assistimos ao desmantelamento progressivo da escola pública desde as
últimas três décadas, quando governos privatistas, comprometidos com interesses
individuais e o capital internacional promoveu uma avalanche de “privataria”, atingindo
todos os setores públicos, desde a educação, até a saúde, passando pelas
indústrias estatais essenciais para a economia do país e provocando uma crise
enorme não só na economia, mas na saúde, na educação e na cultura, setores que
nunca deveriam estar nas mãos de interesses econômicos privados, sejam estes
nacionais ou multinacionais. Porém, ultimamente, com a ascensão dos governos
progressistas eleitos entre 2002 e 2014, o Brasil consegue, em parte, sanar
essa crise de ordem econômica e cultural, desenvolvendo programas sociais de
renda mínima, investindo em infraestrutura em locais antes esquecidos pelo
poder público, quitando a dívida externa e promovendo alguns avanços na área de
educação e cultura, como as políticas de diversidade cultural e educacional e o
sistema de inclusão nas escolas e os pontos de cultura, dando voz à periferia e
às comunidades com pouca voz, ou nenhuma, fomentando o resgate da
potencialidade dos povos que compõem essas comunidades. Porém, essa onda
progressista foi banida do governo por ações de ódio, calúnias, mentiras e
ameaças de todo o tipo contra pessoas ligadas ao governo e às minorias, como
negros, indígenas, LGBT, quilombolas, Sem Terra, Sem Teto, sindicatos,
mulheres, etc. Agora, eleito o novo(?) governo, esse retrocesso cresce
consideravelmente, com propostas toscas, beirando o absurdo, como combate a uma
suposta “ideologia de gênero”, que, segundo os lacaios dessa barbárie, “ensina
as crianças a mudar de sexo”, entre outros absurdos. Propõem retrocessos
educacionais como a volta de disciplinas como Educação moral e civismo,
propõem, também, acabar com disciplinas essenciais à formação do caráter social
do indivíduo, como história, geografia, filosofia, sociologia, etc., em
benefício a um discurso equivocado, mal intencionado, de caráter belicoso e
falso- moralista de preconceitos e ódio, que vêm prontos à sociedade como uma
verdade redentora, que vem para banir toda aquela ideologia infernal que
estaria sendo propagada pelo ensino público e pela gente que faz cultura. Com
isso, o profissional da educação é demonizado e falsamente posto como inimigo
da família, da moral e dos bons costumes e seu trabalho, cada vez mais
desvalorizado, o serviço público é sucateado e os acordos fisiologistas e
clientelistas com a iniciativa privada com o interesse geopolítico de alguns
países do dito primeiro mundo crescem descomunalmente e acabam por determinar
os rumos políticos, econômicos e culturais do país. Esse processo de
mediocrização da sociedade reduz ainda mais o conceito amplo e abrangente do
termo “cultura”, limitando-o a um ou outro segmento cultural, embaçando uma
visão mais ampla e global do termo, criando uma ideia de cultura simplista e
superficial, ao sabor do senso comum. Assim, “cultura” fica sendo para alguns,
“algo ligado à educação instrutiva, ao intelectualismo”, outros, “às artes e
manifestações folclóricas”, e, ainda, a “cultura de comunicação de massa”,mas
ignorando o poder abrangente que essa palavra possui e prejudicando toda a
nação e um povo que produz cultura, em todos os sentidos. Essa visão estreita,
para não dizer cega em relação à cultura, ao invés de fomentar a produção e a
justa distribuição cultural para todo o povo, cria segmentos elitizados que se
destacam socialmente e usufruem de regalias e mamatas dos subsídios que
deveriam fomentar a cultura de um modo geral. Assim, surgem lobbies de
artistas, educadores, intelectuais, empresários, todos querendo “abocanhar” uma
fatia desse amplo “bolo cultural”, que na verdade é uma visão ínfima de algo
tão abrangente, mas que acaba por consumir recursos que poderiam criar uma
economia popular e forte, geradora de renda, motivadora da economia e
angariadora de impostos, sobretudo. Nós, da Quebrada, no entanto, sabemos que a
cultura é muito mais que isso, mesmo porque somos produtores e, ao mesmo tempo,
produzidos por uma ou várias culturas interligadas. Para o professor Victor
Vich, a cultura é “a soma do que produzimos, como produzimos e como somos
produzidos. É a soma de ‘saberes e fazeres’...”, portanto, um termo abrangente,
que carece de muita vivência cultural e vontade política para torná-lo prático
e tornar o povo autônomo e soberano. Vich ainda salienta que “ somos seres
culturais, porém, alienados de nossa própria produção cultural”. Essa
“alienação”, à qual se refere Vich, não significa o que o senso comum entende
por tal, isto é, pessoas alheias ou ignorantes da realidade cotidiana, mas,
numa concepção marxista, uma privação de si e dos seus, por exemplo: Um carro
com motor alienado significa que esse motor está em outro carro. O mesmo ocorre
com o povo que produz cultura, mas esse produto é apropriado por terceiros. O
trabalhador é alienado do fruto de seu trabalho porque a mais- valia
apropria-se desse fruto para o patrão, ainda que não tenha sido este quem
trabalhou para produzi-lo. No programa “Jornalista desempregado”, produzido
pela Careta Filmes, Nery Silvestre, em entrevista, nos fala dessa alienação da
cultura pelo povo, dizendo que “ a cultura pode (e deve) gerar trabalho e
renda, na potencialidade da pessoa, dentro das suas possibilidades”. Cultura é
tudo o que um povo produz, portanto, não se limita à arte e ao ensino. Olhar
por esse viés, além de limitar o conceito de cultura, o elitiza e transfere o
poder cultural da grande massa para uma pequena elite. A cultura, em toda sua
abrangência, gera trabalhos e produtos culturais, talentos, artes e obras,
saberes e fazeres. Portanto, gera trabalho, economia e renda. Para Antônio
Rubin, essa geração de renda e economia não significa que a cultura vá se
submeter a um monopólio da comunicação, ao patrocínio da iniciativa privada, ou
à tutela do poder público, porém, esses setores poderosos devem colaborar com a
cultura da sociedade, pois fazem parte desta, é sustentado por esta e foi
eleito por esta. Rubin enfatiza que a cultura faz sua auto gestão e o mercado
de cultura é a própria gestão cultural que administra o produto cultural e não
o patrocínio dessas elites. O povo que faz cultura não “mama nas tetas do
estado”, ou se beneficia da “caridade” da iniciativa privada, quando angaria
algum recurso para promover alguma obra cultural, mas esses poderes devem ceder
esses recursos, porque fazem parte dessa sociedade e é sustentada e eleita por
esta. Nestes tempos difíceis que atravessa o país e, em especial, a cultura,
pela deturpação de má fé de todos os conceitos e termos para “adestrar” o senso
comum, este inimigo da educação e da cultura, encaremos a cultura, em todas as
suas abrangências, como única forma de resistência a esse limiar de ideias e
atitudes neo- fascistas, por parte do governo eleito e de seus seguidores, ao
mesmo tempo em que é o clamor do povo ao que é seu por direito e ao direito do
que é seu. A cultura, portanto, propõe um resgate da dignidade do povo, dando
poder a este de fazer sua auto gestão e administrar sua criação e produção,
gerar sua própria economia, livre de “atravessadores culturais” ou atrelamentos
a poderes públicos ou privados. Nery Silvestre enfatiza que “cultura não é
status, glamour, frescura ou preciosismos. É, antes, fruto de trabalho e
geradora de trabalho. É economia e geração de renda. É desenvolvimento de
potencialidades e fomentação de ações populares, Não é e não tem a pretensão de
ser, ou fazer uma revolução. É apenas a afirmação de um povo, a demonstração de
sua capacidade, a criação de valores e produção de bens materiais e simbólicos.
O povo quer apenas o que é seu de direito!”.
* Artista multimídia e correspondente da Quebrada - (TomMix
Bala)
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