Dalila Teles Veras
Estive esta tarde no Cemitério da Saudade, na Vila Assunção,
primeiro bairro em Santo André onde residi por nove anos. Naquele cemitério
repousam inúmeras personalidades, políticas (como Celso Daniel e uma dezena de
outros Prefeitos e políticos de destaque na região do ABC) e artísticas, como
Luiz Sacilotto (que, para meu espanto, não consta da galeria de “ilustres” na
entrada do local).
Hoje, dia 02 de dezembro de 2017, um domingo nublado, o
local acolheu mais um ilustre cidadão, José Duda Costa, chamado
por nós, o povo da cultura e da memória, simples e carinhosamente por Duda.
A minha parcela de ativismo cultural deu-me canseiras,
contrariedades, mas muitas alegrias. Dentre elas, a felicidade de conviver com
pessoas especiais, gente que se destacou por sua singularidade, jamais por
celebridade ou fatos midiáticos, muito menos por qualquer espécie de cargo ou
poder. Duda foi uma dessas figuras que admirei e tive a honra de receber sua
amizade por três décadas.
Foi um homem simples, mas não dessa “simplicidade” que
comporta alienação, desconhecimento. Não frequentou escolas superiores,
desconfio que apenas as primeiras letras, mas era um grande leitor, o que o
diferenciava enormemente. Lia e
decifrava, porque a sede do conhecimento e da participação social o movia. Fez
parte de uma geração de operários letrados, engajados, participantes,
proponentes e, naturalmente, memorialistas. Desse grupo de “operário padrão”
(não naquele enquadramento do “padrão” imposto pelo patrão, mas no da demanda
da própria classe trabalhadora, do qual faziam
parte (e com eles tive a honra de
conviver e prezar de amizade), o Philadelpho Braz (hors concours) e muitos
outros que já nos deixaram. Alguns deles, temos ainda a sorte de conviver como
João de Deus e Alberto Braz (irmão gêmeo de Philadelpho).
A biografia singela de Duda pouco diz do homem que a
protagonizou. Nascido em Garanhuns, PE, em 1934, filho de um lavrador que
possuía um armazém de secos e molhados (aqui, minha identificação de origens
imediatamente assimilada). Órfão em
tenra idade, aos 11 anos, foi para Recife morar com uma irmã casada, onde
trabalhou como mecânico. Em 1948, como tantos seus conterrâneos, veio para São
Paulo, uma viagem épica, no chamado “pau de arara”, aventura que ele contava sempre com muita
graça. Aqui, veio trabalhar em Santo André, onde teve inúmeros empregos
(Fábrica de Doces, cobrador em empresa de ônibus, garçom, cozinheiro e,
finalmente, com a vinda das grandes indústrias, operário metalúrgico no então
nascente e fervilhante mercado de trabalho (trabalhou na International
Harvestes Máquinas, General Eletric e Volkswagen). Tinha conhecimentos de
desenho mecânico e fez carreira exitosa nessas empresas. Na Volkswagen, onde
trabalhou por 18 anos até sua aposentadoria, foi inspetor de Qualidade do
Departamento de Prensas.
Conheci Duda nos primórdios do GIPEM – Grupo Pesquisadores
da Memória, fins da década de 80, contato que foi aprofundado na preparação do
I Congresso de História do ABC, realizado em 1990 com a inauguração do Museu de
Santo André. Sua prosa fácil e bem humorada, recheada de boas histórias era
isca fácil à amizade. Foi um frequentador assíduo da Livraria Alpharrabio,
participando com muita propriedade das atividades ali realizadas.
A partir daí, eu e muitos outros amigos (muitos dos quais
compareceram hoje ao seu sepultamento) nos acostumamos à presença de Duda em
todos (sim, TODOS) os movimentos em pról da Memória e preservação do Patrimônio
Cultural e Arquitetônico, assim como em todos os 14 Congressos de História do
ABC, dos quais participou não só na organização, mas como debatedor, depoente,
incentivador e entusiasmado partícipe.
O último deles, já muito debilitado, em Rio Grande da Serra,
há pouco mais de 20 dias. Foi conduzido até ali pelo amigo João de Deus que o
acarinhou com desvelo durante todo aquele segundo dia do Congresso. Mostrava-se
feliz o nosso Duda, estava entre as pessoas que falavam a sua língua, a língua
fraterna da memória. Foi sua última aparição pública. A sua presença foi verdadeiramente
grata e saudade por todos que ali estavam.
Viveu lindamente os seus 83 anos. Deixa uma linda família,
composta pela Dona Glória, com quem casou há 60 anos, seis filhos, netos e
bisnetos. Deixa também um espólio composto por objetos responsáveis por seu
conhecimento enciclopédico sobre música popular e clássica (milhares de fitas
K7, LPs, CDs), livros sobre os mais diversos assuntos de seu interesse, em
especial, biografias. coleções das quais muito se orgulhava e gostava de
mostrar aos amigos que o visitavam, recebidos com bolo e chá de maracujá de
Dona Glória. Deixa, sobretudo, a memória inesquecível de sua presença como
cidadão participante da vida de sua cidade e de sua região.
Duda vive. Viva Duda!
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