terça-feira, 5 de maio de 2015

Dom Quixote ou A Arte de Namorar a Cidade*

Carlos Lotto
artista educador e produtor cultural
abril 2015

A cidade pela qual me enamoro é aquela que transcende a metrópole vazia de ética. É aquela para a qual quero ser visível, audível, tangível, por amá-la e ser por ela amado. Se enamorar da agitação do mundo para aquietar o alvoroço interior. Desapegar-se de si para encontrar um espaço comum: meu, teu, do outro, de todos. Amar a cidade é amar um ideal de totalidade, como um legítimo cavaleiro Quixote, como um poeta grego, com valores de superação, atemporais, como obra de arte, inspirado pelo sentido de pertencimento. A cidade sou eu!

Amo a cidade, amo a nação, amo a humanidade. Do aventureiro, eternamente sobrevivente e forasteiro, resgato a habilidade de fundir-me: a todas as gentes “não gentes”, aos vira-latas, aos incrédulos, decadentes, ruas, praças, becos, guetos.


Foto do painel de 3m executado pelos integrantes da oficina Letras do Mundo.

Lançar o amor que acorda a memória do amor aos ensimesmados e tristes, e assim buscar a Dulcinéia, o olho d’água, a negra do doce, com a coragem que liberta toda a humanidade esquecida e descuidada.

Acordar a cidade amorosa: a que insere o homem além da sua própria história; o espaço que protege a reflexão e o debate, e me faz novo para inventar novos hábitos comprometidos com o mundo humano, longe da barbárie.

Sem a cidade sou ninguém; sem espaço de participação sou ninguém; sem perspectivas sou ninguém. Sem a cidade me desmantelo, enfraqueço, desisto.

Quero tomar a cidade com a música sem fronteiras que existe dentro da gente e torná-la reflexo simultâneo dessa música. Arrebatar Sanchos e desprender-se do tempo, além da vida e além da morte, é a ação do poeta Quixote. Aquele que trará a qualquer espaço a “eternicidade”: o lugar do impossível feito possível, agora.

* Texto escrito para a exposição de abril/2015 do Projeto Quixotes, da Funsai- Ipiranga, coordenado pela atriz de Santo André, Andreia de Almeida, onde trabalhamos os heróis da cidade, através da arte. Inspirado nos adolescentes e nos artigos de Hanna Arendt sobre a crise da educação, a banalidade do mal e seu livro Homens em Tempos Sombrios, considero uma homenagem ao aniversario de Santo André.

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