sexta-feira, 15 de maio de 2015

Cultura sem Carimbo VI - registro da reunião de abril 2015




A reunião de abril do Fórum Permanente de Debates Culturais retomou o Ciclo Cultura Sem Carimbo, organizado de forma a ouvir, debater e divulgar coletivos, iniciativas e acontecimentos culturais que estão ocorrendo na região, de forma autônoma, sem vínculos ou patrocínios oficiais. Nos cinco encontros anteriores foram ouvidos (e gravados) depoimentos de integrantes dos coletivos Batalha da Matrix - Parada Musical, de SBC,  Cia. do Nó (Santo André); Centro Recreativo e Cultural Alameda Glória (São Bernardo do Campo);  Grupo Folclórico Congada do Parque São Bernardo (São Bernardo do Campo); Ocupação Cuiabá - Portões que falam;  Sarau na Quebrada, Santo André; Sarau Lapada Poética, do Coletivo Tantas Letras, São Bernardo do Campo; e Sarau da Santa, Santo André.




Neste VI encontro, a prof. Raquel Quintino, cientista social, mestre em comunicação, e ativista social veio nos falar sobre a experiência de mobilização junto à Rádio Comunitária Z FM do Jardim Zaíra, em Mauá e do Movimento para Moradia na área do Chafik, assunto que, inclusive, foi objeto de sua dissertação de Mestrado em Comunicação Social pela UMESP.

Do belo e apaixonado depoimento da nossa convidada, extraímos estas notas:
"Nasci no Zaíra, cresci e estou sempre por lá. "Viver em Mauá" é um adjetivo, é um lamento e até motivo de chacota, mas é possível mudar o olhar para identificar muitas belezas.

Estive por algum tempo afastada de Mauá, mas quando voltei, munida de outros diferenciais, após ter passado pelo Ministério das Ciências e Tecnologia, Instituto Paulo Freire e outras experiências, vi a possibilidade de construção de algo. Os lugares periféricos quase nunca são vistos como o lugar do bem viver, da sociabilidade e do crescimento. As cercas, muros e catracas barram o acesso ao que a humanidade produz de melhor. É possível reinventar? É!




Um verso de Fernando Pessoa ("é da minha aldeia que eu posso ver o mundo"), que, inclusive,  virou epígrafe de abertura da minha dissertação, vai no sentido inverso do sentimento de quem mora em Mauá, mas leva a acreditar que é possível fazer de nossos lugares, o que a gente quiser, inclusive interferir na realidade, como interferimos.

O Jardim Zaíra apresenta a maior ocorrência de mortes em área de risco da cidade, território de ocupação irregular que teve início em meados da década de 1970.

Em 2011 ocorreu um trágico deslizamento do Morro do Macuco que acabou por detonar um  movimento pela Rádio Z FM que tinha como objetivo inicial alertar a comunidade em relação à gravidade provocada pela intensificação das mudanças climáticas e dos riscos na época das chuvas e que, em colaboração com a Associação para o Desenvolvimento Habitacional do Brasil criada em 2006 , cujo foco é a regularização fundiária daquela região, muito contribuiu para estimular a participação e organização local pelo direito à moradia. A principal ação foi a produção de 20 programas radiofônicos, transmitidos nas manhãs de sábado, nos quais colaborei, produzidos por cerca de 20 integrantes da ADEHAB, com o apoio dos colaboradores da Radio Z FM que exerceu um papel fundamental para provocar a tomada de consciência da urgência em relação às questões da moradia da área.




Assim, os movimentos populares se apropriaram daquele espaço de comunicação o que me motivou, além da participação, também realizar análise desse processo de comunicação comunitária. 
Os meios de comunicação, que deveriam fortalecer os diversos grupos humanos, atuam como um grande negócio controlado por um pequeno grupo que atendem aos interesses da elite brasileira. As rádios comunitárias têm um forte potencial de democratizar uma parcela dos meios de comunicação e por isso são muito perseguidas.




A Rádio Z FM, primeira rádio comunitária da cidade a receber a autorização para operar legalmente, tem como seu principal articulador Valmir Maia, que atuou intensamente em vários movimentos da cidade. Permanece atuante até hoje e é reconhecida como o principal veículo de comunicação do município e presta, ao longo destes anos, relevantes serviços à comunidade.

Mauá está no ABC e o ABC é um lugar de luta. É possível, sim, fazer com que as coisas aconteçam em Mauá, desde que possamos nos mobilizar e foi isso que fizemos."




O relato foi longo e apaixonante. Não há como não se contaminar com tamanha convicção às causas a que se dedica a Prof. Raquel (o ensino, a pesquisa e a militância social) a Prof. Raquel, quer junto à FAMA - Faculdade de Mauá, quer junto à Rádio Z FM e outras tantas frentes de atuação).

Saí, saímos do encontro menos céticos e menos desanimados. Ainda vale a pena acreditar em transformações pela organização e mobilização popular. (dtv)

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