A reunião de abril do Fórum Permanente de Debates Culturais
retomou o Ciclo Cultura Sem Carimbo, organizado de forma a ouvir, debater
e divulgar coletivos, iniciativas e acontecimentos culturais que estão
ocorrendo na região, de forma autônoma, sem vínculos ou patrocínios oficiais.
Nos cinco encontros anteriores foram ouvidos (e gravados) depoimentos de
integrantes dos coletivos Batalha da Matrix - Parada Musical, de SBC,
Cia. do Nó (Santo André); Centro Recreativo e Cultural Alameda Glória (São Bernardo
do Campo); Grupo Folclórico Congada do Parque São Bernardo (São
Bernardo do Campo); Ocupação Cuiabá - Portões que falam; Sarau na
Quebrada, Santo André; Sarau Lapada Poética, do Coletivo Tantas Letras, São
Bernardo do Campo; e Sarau da Santa, Santo André.
Neste VI encontro, a prof. Raquel Quintino, cientista social,
mestre em comunicação, e ativista social veio nos falar sobre a experiência de
mobilização junto à Rádio Comunitária Z FM do Jardim Zaíra, em Mauá e do
Movimento para Moradia na área do Chafik, assunto que, inclusive, foi objeto de
sua dissertação de Mestrado em Comunicação Social pela UMESP.
Do belo e apaixonado depoimento da nossa convidada, extraímos
estas notas:
"Nasci no Zaíra, cresci e estou sempre por lá. "Viver em Mauá" é um
adjetivo, é um lamento e até motivo de chacota, mas é possível mudar o olhar
para identificar muitas belezas.
Estive por algum tempo afastada de Mauá, mas quando voltei, munida
de outros diferenciais, após ter passado pelo Ministério das Ciências e
Tecnologia, Instituto Paulo Freire e outras experiências, vi a possibilidade de
construção de algo. Os lugares
periféricos quase nunca são vistos como o lugar do bem viver, da sociabilidade
e do crescimento. As cercas, muros e catracas barram o acesso ao que a
humanidade produz de melhor. É possível reinventar? É!
Um verso de Fernando Pessoa ("é da minha aldeia que eu posso
ver o mundo"), que, inclusive, virou epígrafe de abertura da
minha dissertação, vai no sentido inverso do sentimento de quem mora em Mauá,
mas leva a acreditar que é possível fazer de nossos lugares, o que a gente
quiser, inclusive interferir na realidade, como interferimos.
O Jardim Zaíra apresenta a maior ocorrência de mortes em área de
risco da cidade, território de ocupação irregular que teve início em meados da
década de 1970.
Em 2011 ocorreu um trágico deslizamento do Morro do Macuco que
acabou por detonar um movimento pela Rádio Z FM que tinha como
objetivo inicial alertar a comunidade em relação à gravidade provocada pela
intensificação das mudanças climáticas e dos riscos na época das chuvas e que,
em colaboração com a Associação para o Desenvolvimento Habitacional do Brasil
criada em 2006 , cujo foco é a regularização fundiária daquela região, muito
contribuiu para estimular a participação e organização local pelo direito à
moradia. A principal ação foi a produção de 20 programas radiofônicos,
transmitidos nas manhãs de sábado, nos quais colaborei, produzidos por cerca de
20 integrantes da
ADEHAB, com o apoio dos colaboradores da Radio Z FM que exerceu um papel
fundamental para provocar a tomada de consciência da urgência em relação às
questões da moradia da área.
Assim, os movimentos populares se apropriaram daquele espaço de
comunicação o que me motivou, além da participação, também realizar análise desse processo de
comunicação comunitária.
Os
meios de comunicação, que deveriam fortalecer os diversos grupos humanos, atuam
como um grande negócio controlado por um pequeno grupo que atendem aos
interesses da elite brasileira. As rádios comunitárias têm um forte potencial
de democratizar uma parcela dos meios de comunicação e por isso são muito
perseguidas.
A Rádio Z FM, primeira rádio comunitária da cidade a receber a autorização para operar legalmente, tem como seu principal articulador Valmir Maia, que atuou intensamente em vários movimentos da cidade. Permanece atuante até hoje e é reconhecida como o principal veículo de comunicação do município e presta, ao longo destes anos, relevantes serviços à comunidade.
Mauá está no ABC e o ABC é um lugar de luta. É possível, sim,
fazer com que as coisas aconteçam em Mauá, desde que possamos nos mobilizar e
foi isso que fizemos."
O relato foi longo e apaixonante. Não há como não se contaminar
com tamanha convicção às causas a que se dedica a Prof. Raquel (o ensino, a
pesquisa e a militância social) a Prof. Raquel, quer junto à FAMA - Faculdade
de Mauá, quer junto à Rádio Z FM e outras tantas frentes de atuação).
Saí, saímos do encontro menos céticos e menos desanimados. Ainda
vale a pena acreditar em transformações pela organização e mobilização popular.
(dtv)
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