"O fato de as pessoas se tornarem presentes e,
importante, se tornarem visíveis umas para as outras, pode alterar a natureza
da sua impotência" Saskia Sassen (socióloga da Universidade de Colúmbia,
tradução Terezinha Martino, in O Estado de São Paulo, 25.12.2011.
No último dia 26.05, na Livraria Alpharrabio, uma conversa
com alguns participantes da Batalha da Matrix, marcou o início do ciclo Cultura
sem Carimbo, promovido pelo Fórum Permanente de Debates Culturais do Grande
ABC, realizado nas dependências da Livraria Alpharrabio, em Santo André, SP.
O Ciclo pretende ouvir, debater e divulgar coletivos,
iniciativas e acontecimentos culturais que estão ocorrendo na região, de forma
autônoma, sem vínculos ou patrocínios oficiais
ou privados.
A "Batalha da Matrix - Parada Musical", reúne
semanalmente (terças-feiras) e há mais
de um ano (comemoraram nesta semana a 54ª edição) centenas de pessoas na Praça
da Matriz em São Bernardo do Campo. Interessante sublinhar que o termo
"batalha" remete à "batalha de rimas" ali travada, uma
espécie de "embolada" ou "desafio" entre dois MCs.
Organizada de forma horizontal, seus participantes são
jovens na sua maioria, vindos de toda parte, inclusive da Capital. Começou
com um pequeno grupo de 15 ou 20 pessoas
ligadas ao Hip Hop, que foi crescendo, chegando a reunir 500 pessoas numa só
noite.
As redes convocam, mas é nas ruas, mais precisamente, neste
caso, na Praça, que se dá o encontro. Do espaço virtual para a ocupação do
território físico, resignificando a socialização, eis aí um fenômeno que
precisa de escuta, estudo e diálogo.
Alguns pontos anotados da fala do convidado Murilo Borges,
participante e observador da Batalha da Matrix desde o início:
- "Os jovens que participam da "batalha de
rimas", saem de seu mundo real para extravasar a violência através da
expressão das "rimas". O tema recorrente é o próprio Hp-Hop. Não
aparece ali, como no início do Hip-Hop, temas relacionados com o racismo e
outras questões sociais. A situação econômica hoje, o fato dos jovens
conseguirem consumir e terem acesso a serviços que antes não tinham, afastou
deles a preocupação social e política. Costumam afirmar que não gostam de
política e que isso é para os políticos. O que define este momento é o discurso
da classe dominante. Os happers dizem que cansaram do Hap que fala de
violência, querem "poesia", a "batalha" vai mais para o
lado do ego. Todos querem sair dali vencedores (o aplauso e o grito da plateia
define o vencedor).
- Hoje a batalha já acontece em SCS, em Mauá e Santo André,
mas a de SBC é a que reúne maior número de pessoas. 40% dos que ali comparecem vão para assistir
a disputa das rimas, o restante vai simplesmente para conviver. Começaram a
aparecer mulheres que abordam a questão de gênero e os problemas do machismo,
na sua maioria residentes em Diadema.
- Neste tempo todo jamais houve qualquer acontecimento que
envolvesse violência física, mas isso não significa ausência de problemas. Com
o aumento dos participantes os moradores do entorno começaram a reclamar do
barulho, da pichação e sujeira ali deixados. A Prefeitura que, até então, não
havia procurado ninguém com qualquer proposta de apoio, impôs a regra do
silêncio após as 22h e o diálogo tem sido difícil, porque quando surge qualquer
proposta oficial é no sentido da "regulamentação" e não de apoio. Os
participantes recusam convites para ocuparem locais públicos fechados, como
centros culturais e parques, justamente para não correr riscos de
"carimbos" do poder público, mas reivindicam políticas públicas
efetivas voltadas para a juventude. O CAJUV é inoperante nesse sentido.
- Nos últimos 4 ou 5 anos vários espaços de convivência
foram fechados em SBC, como o espaço Poliesportivo, o Paço que se encontra em
obras e não tem prazo pra acabar. Quando você tem uma cidade que nega o direito
a espaços de convivência, pode acontecer o pior."
A partir daí, travou-se um bate-papo com todos os presentes
que dirigiram perguntas e expressaram sua opinião.
Algumas reflexões recolhidas dos presentes sobre o fenômeno
Batalha da Matrix, durante o debate:
- O "recado" desses jovens não estaria sendo dado
de outra forma?
- O sentimento de "pertencimento" não seria a
motivação da ocupação da praça, ainda que distorções como pichação e um ou
outro elemento danificado?
-A invisibilidade desses jovens que não são contemplados com
programas e políticas públicas que lhes propiciem acesso à cultura e à
diversão, bem como uma escola que abra seu campus para acolhê-los e ouvi-los,
debater seus problemas e ouvir suas demandas,
não seriam fatores detonadores
para deixarem suas marcas, gritos de socorro de "eu estou/estive"
aqui?
-Os jovens comungam da crise geral da representatividade.
Recusam lideranças e exigem serem ouvidos no coletivo, ainda que convivam com
alguma liderança surgida naturalmente. Experiências passadas de ações conjuntas
educação/cultura, mostraram que diálogo, oficinas, ações efetivas de levar
"o centro" para os bairros periféricos, discutir o direito à cidade,
resultam em surpreendentes resultados.
Todo o debate encontra-se gravado em vídeo e disponível para
pesquisa (acervo do ABCs - Núcleo Alpharrabio de Referência e Memória)..
Próxima rodada do Ciclo, no próximo dia 30.06.2014,
segunda-feira.
Nota: Nossos agradecimentos a Neusa Borges e Rogério Vital
Coraggio, pela intermediação e colaboração de sempre. Dalila Teles Veras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Se você não tem cadastro no Google, pode deixar seu comentário selecionando a opção Nome/URL no campo Comentar como logo abaixo.