Simone Zárate
Nos anos 80 e início dos 90, a política empresarial de patrocínio cultural e o terceiro setor davam os primeiros passos e a implantação/ampliação de ações culturais nas cidades pelo poder público eram vistas como sinônimo de ousadia.
Porém, se passaram rápidos anos de transformações sociais e inovações tecnológicas, e grande parte das secretarias/departamentos de cultura continua presa ao passado, mantendo o mesmo “modelo ousado”.
Tratadas como acessório e instrumento de visibilidade de acordo com a ocasião, as secretarias municipais de cultura são assumidas por dirigentes com os mais diversos perfis, raramente preocupados de fato com políticas culturais.
Afinal, a “receita” de uma política cultural é simples: basta um punhado de eventos mais um punhado de oficinas artísticas, manter o museu histórico, mexer bem, levar ao forno por quatro anos e pronto! Como cobertura, construir e inaugurar um ou mais equipamentos culturais, de preferência com teto e paredes de vidro, bem bonitos no dia da inauguração. A destinação e manutenção do edifício são detalhes que podem esperar...
Não podemos esquecer ingredientes fundamentais: horário de funcionamento (segunda a sexta-feira das 8 às 12 e das 13 às 17); não permitir que o local seja um ponto de encontro; oferecer uma programação baseada no gosto pessoal do coordenador ou gerente (que sempre sabe o que é melhor para os outros) e, importantíssimo, escolher o funcionário mais infeliz para dar informações, de preferência aquele que está “de castigo”.
A comunicação institucional é outro ingrediente importante: livros e revistas recheados com muitas fotografias e créditos e pouca informação.
Os resultados são previsíveis. Após alguns anos restarão vidros sujos e quebrados, infiltrações de água, fios elétricos pendurados, paredes pichadas.
Solicitações de utilização do local, mesmo que por algumas horas, devem ser encaminhadas através de requerimento em cinco vias e aguardar aproximadamente duas semanas de encaminhamentos burocráticos. Caso a população não se aproprie dos espaços a culpa será sempre dos “meios massivos de comunicação”.
A construção de infraestrutura, o incentivo à criação artística, a desconcentração de projetos e a preservação do patrimônio ainda são ações obrigatórias do poder público, mas causa indignação a ausência de preocupação com as consequências de ações impensadas e imediatistas. Constrói-se para deixar cair; implantam-se programas antiquados no piloto automático, teoricamente destinados ao “público em geral” (o que já é duvidoso) e que na prática atingem “público nenhum”.
Para que novos formatos de políticas públicas de cultura comecem a ser desenhados é fundamental o investimento das administrações e dos próprios agentes culturais em formação profissional. Os quadros funcionais da área cultural são compostos por pessoas com as mais diversas experiências profissionais e sua formação como mediadores culturais foi construída em “campo”. A soma de bases práticas e teóricas certamente resultará em ótimos profissionais.
Uma política cultural no século 21 não pode se resumir à administração burocrática de equipamentos nos quais são desenvolvidas atividades artísticas. Sua elaboração está vinculada à análise do entorno, ao equilíbrio de relações entre os diversos agentes (público/privado – institucionais ou não), ao desejo de melhoria da qualidade de vida, de transformação da cidade. Isso inclui estratégias que vão além da oferta de cursos artísticos e “e - ventos” desarticulados, direcionados apenas às belas artes e realizados em “templos” culturais que cada vez mais interessam/satisfazem menos os desejos da população.
Qualquer setor no qual se pretende intervir necessita diagnóstico, planejamento e avaliações periódicas, e principalmente no setor cultural, em permanente conversa com os destinatários. Não sabendo/querendo conversar, as ações implantadas pelos serviços municipais de cultura tornam-se frágeis, resultando em políticas inconsistentes ou mesmo na ausência destas. E quem perde é a cidade e seus cidadãos.
Apesar da crescente oferta oficial de mecanismos de participação popular como Conselhos de Cultura e Orçamentos Participativos, o diálogo e a participação nem sempre ocorrem. E não é tarefa simples fazer com que ocorram. Para que haja resultados temos que nos despir de preconceitos e estar preparados para ouvir e discutir propostas com as quais nem sempre concordamos; temos que reconhecer que quem sabe o que é bom para determinada comunidade é ela mesma; que, apesar de nossas “boas intenções”, o conceito de qualidade não pode ser vinculado a nosso gosto pessoal. Temos que compreender que o direito à cultura também é o direito à escolha.
O desafio é grande; o processo é longo e trabalhoso. Mas talvez seja esta a construção que dará sentido às intervenções governamentais nas culturas das cidades.
*(publicado originalmente em www.culturaemercado.com.br)
Li ali em cima em construção?
ResponderExcluirpara min está completo e perfeito!